quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Hazelnut

Eram nove da manhã. Parei na Paulista, entrei no Center 3 direto para a Starbucks e entrei na fila. Quando a atendente perguntou o que eu queria, discursei quase que mecanicamente o pedido de sempre: um café mocha tall com... com? A palavra se perdeu. Veio à minha cabeça a hazelnut. E de hazelnut lembrei-me de Manoel de Barros falando dos pássaros e da língua mãe, porque hazelnut não queria dizer nada para mim, era uma palavra sem essência e cor, apenas um sabor colocado em um café já sem muito gosto de café.

Mas logo descobri que hazelnut tinha, sim, um significado. Hazelnut me trazia à mente a viagem para Chicago, a manhã seguinte daquele longo dia, o dia da caminhada em volta do Chicagoland Speedway, do choro, da ligação pro Panda, sentada no chão da estação de Joliet, de mais choro ainda, dos soluços, da vontade de desistir, do apoio que recebi, e, mais calma, da ligação para o Fábio, dos esboços de risada, do embarque para Chicago, de mais um pouco de choro, da cabeça cheia, das perguntas que vinham à mente, da única semi-refeição do dia, do quarto vazio, da noite mal dormida.

E aquela manhã seguinte do despertador tocando cedíssimo, da cabeça ainda doendo, da calça jeans, da blusa de botão, da blusa de lã, da saída do hotel, do táxi pra a La Salle Street Station, da caminhada para a Starbucks, do Mocha tall with hazelnut, da Chicago deserta no domingo de manhã, só um cara de bicicleta na rua, do estômago revirado pelo medo e nervosismo, do vento na estação, a mulher avisando que eu podia entrar, do trem em que embarquei quatro vezes, todas elas sentada na parte de cima do vagão, do caminho para Joliet, das casinhas, das estações passando uma atrás da outra, da chegada ao autódromo, do e-mail do Panda e da Alê - acho que nunca agradeci por aquelas palavras que me deram tanta força.

Uma manhã em que ainda estava meio hesitante, meio insegura, uma insegurança que nunca tinha sentido antes. Na cabeça, só as palavras daqueles três, acho que não teria ido se não fossem eles, não teria visto Raphael Mattos sendo campeão, Antinucci secando os olhos pelo título perdido de tal forma, a corrida mais fantástica da minha vida, Dixon campeão, Hélio Castroneves em, provavelmente, uma de suas últimas corridas pela Penske - ou seria na Indy?

Teria deixado de lado a perda do ônibus para a estação, o táxi que demorou uma eternidade, tanto que as equipes já tinham ido embora quando consegui sair daquele autódromo no fim do mundo, mas o taxista estava feliz porque Scott Dixon tinha sido campeão, e me explicou que seu carro era número 9 e o pessoal da Ganassi tinha dado a ele um boné da equipe, disse que tinha vindo para o Brasil quando fazia parte das forças armadas, que visitou o Rio de Janeiro, minha cidade, e riu quando eu voltei porque tinha esquecido o bilhete do trem dentro do carro.

E, já no escuro, esperei o trem chegar, entrei, vi as sombras das casinhas e estações do caminho de Joliet para Chicago, e senti por não poder voltar para aquele lugar. Meu coração já começava a sentir saudades daqueles dias, e no lugar do choro da noite anterior, sorri. Sorri e agradeci por todo o apoio que tive de tanta gente nesses anos, dos treze aos dezenove dá seis, então já são seis anos que amo o jornalismo, e nesses seis anos pude contar com pessoas como o Fábio, o Panda, a Alê, o Betto, o Denis, o Ric - listas são ingratas, sempre esquecemos alguém, mas sei que as pessoas sabem a importância que tiveram na minha vida.

Voltei, dormi (mal) e acordei para uma Chicago chuvosa. Percebi que poderia ter domingos como aquele o resto da semana, podia pegar novamente aquele trem para Joliet, partir para o Chicagoland Speedway, ver aquela corrida de novo e de novo, e pegar o taxista #9, o trem, Chicago, tudo.

Acordei para a manhã fria de São Paulo, a hazelnut na cabeça. Hazelnut tinha essência, tinha aquela manhã seguinte, aquele dia anterior, aquele fim de semana, tudo aquilo que, de tempos em tempos, passa pela minha cabeça como se fosse um filme, e eu assisto e assisto àquele filme sem me cansar, querendo ver as cenas nos seus mais íntimos detalhes.

Foi por tudo isso que, por uma fração de segundo, esqueci a avelã. Ela não tinha todo o significado de hazelnut.

4 comentários:

Alessandra Alves disse...

clap-clap-clap!
Modestamente, eu nunca me engano. Amandinha, você vai longe! Mas mantenha-se por perto, por favor!

Marcelo Rosa disse...

Padrinho babão...http://www.pistachecomcasca.com/2008/11/20/hazelnut-ou-orgulho-do-padrinho/

L-A. Pandini disse...

Lindo texto!

Foi o seu primeiro "diário de viagem". Outros virão. Quem sabe sobre Long Beach, Indianapolis, Milwaukee... Ou Melbourne, Bahrein, Sepang, Barcelona, Monte Carlo... Ou Daytona, Sebring, Le Mans... Talvez Monte Carlo, Suécia, Finlândia, Portugal, Finlândia, Acrópolis, San Remo, Tour de Corse, Dakar. Quem sabe vários deles. Ou todos - por que não sonhar?

E não se preocupe: agradeceu, sim. Está lá nos posts da época.

Beijo grande!

LAP

Betto disse...

Bah...

Fiquei arrepiado!! Isso não é um texto (apenas). Não é um post (muito menos). Não é uma crônica (tampouco). Isso é sim um belo roteiro de um grande filme, digno de (todos) Oscar! Parabéns, Mandy. Você continua sendo a mesma Mandy de sempre. Felizmente!